.



AS JÓIAS DO ABISMO

.

FLORIANO MARTINS

.

[ novo capítulo ]

.

.
16. SELMA ENTRE NUVENS
.
Despertei, a noite estendida por toda a cama. A meu lado, Eduardo no compasso sempre inquieto de seu sono. Sempre dormimos nus. Porém sua nudez era um mar revolto. A minha assemelhava-se a um banho de nuvens. Tão calma estive sempre em meu recolhimento que por vezes me ausentava de mim sem que o percebesse. Uma noite me vi permanecer na cama ao regressar da cozinha. Vi-me ali deitada capinando sonhos. E toquei-me, recostada à porta, a conferir qual das duas eu era. Eduardo punha a mão a escorregar sobre minha barriga. Buscava uma umidade perdida em meu sono. Com que doçura me encontrava onde eu já não lhe correspondia de todo. Como se atiçasse um enxame de carinho, separava-me as pernas e se punha a penetrar-me. Aproximei-me com tudo o que sentia dentro e perto de mim. O espelho no quarto não me refletia sob o corpo de Eduardo. Quem éramos se tornou impossível saber. Quantas fui assim nas noites em que não tive sede? Quantas de mim eu vejo agora que não me reconhecem? Onde estou, afinal? Trato de acordar Eduardo, para que me diga o que sabe.


16. SELMA ENTRE NUBES
.
Desperté, la noche extendida por toda la cama. A mi lado, Eduardo al compás siempre inquieto de su sueño. Siempre dormimos desnudos. Pero su desnudez era un mar revuelto. La mía se asemejaba a un baño de nubes. Tan calma estuve siempre en mi recogimiento que a veces me ausentaba de mí sin darme cuenta. Una noche me vi permanecer en la cama al regresar de la cocina. Me vi allí acostada carpiendo sueños. Y me toqué, recostada a la puerta, para ver cuál de las dos era. Eduardo hacía resbalar una mano en mi vientre. Buscaba una humedad perdida en mi sueño. Con qué dulzura me encontraba donde ya no le correspondía del todo. Como si atizara un enjambre de cariño, me separaba las piernas y se ponía a penetrarme. Me aproximé con todo lo que sentía dentro y cerca de mí. El espejo del cuarto no me reflejaba bajo el cuerpo de Eduardo. Se volvió imposible saber quiénes éramos. ¿Cuántas fui así en las noches en que no tuve sed? ¿Cuántas de mí veo ahora que no me reconocen? ¿Dónde estoy, finalmente? Trato de despertar a Eduardo para que me diga lo que sabe.



.

4 comentários:

  1. 30.10.2010 FMartins, parabéns por este seu blog. Currículo maravilhoso! Dios te bendiga, hermano! Bendiciones! Abrazos, PCSampaio www.benedictus.com.br / www.templarium.blogspot.com
    Ah, soy amigo de Erico Baymma.

    ResponderExcluir
  2. "Quem éramos se tornou impossível saber." Que bela construção, mais bela se a alinharmos à despersonalização como traço lírico contemporâneo.
    Belas imagens, Floriano.

    http://cartassideradas.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  3. Poeta Floriano, eu me embelezo muito quando leio tuas ideias! Por que você não posta mais por aqui?! Abraços! http://arcanosgravidos.blogspot.com

    ResponderExcluir
  4. Pra mim foi um grande achado este teu blog! Obrigada pelo ótimo texto, disponível assim...
    Prazer em ler e em conhecer este espaço. Voltarei, é certo.

    ResponderExcluir